579a SESSÃO DE 13 DE NOVEMBRO DE 2014
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – DAÇÃO EM PAGAMENTO – MOMENTOS ESTIPULATIVO E EXECUTIVO DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS – POSSIBILIDADE NO MOMENTO EXECUTIVO – BENS TANGÍVEIS, INTANGÍVEIS OU CRÉDITOS – ADMISSIBILIDADE DA DATIO OU CESSIO IN SOLUTUM – MOEDAS VIRTUAIS (CRIPTOCURRENCIES) – BITCOINS – AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO LEGISLATIVO E REGULATÓRIO – AUSÊNCIA DE PRONÚNCIA SOBRE O ENQUADRAMENTO DO SISTEMA DE PAGAMENTO POR MOEDAS VIRTUAIS NO ÂMBITO DA AUTONOMIA PRIVADA – ÓBICES – JUÍZO ACERCA DA COMPATIBILIDADE COM A ÉTICA PROFISSIONAL DO ADVOGADO QUE DEPENDE LOGICAMENTE DE PRÉVIO JUÍZO DE LEGALIDADE.
Uma vez previsto, no momento estipulativo do contrato, o pagamento dos honorários em moeda corrente, nada impede que a obrigação respectiva seja satisfeita, em seu momento executivo, pelos denominados modos eventuais de satisfação das obrigações, dentre eles a dação em pagamento de bem tangível, intangível ou crédito (cessio in solutum). Do ponto de vista ético, fora da hipótese de previsão de cláusula quota litis, somente permitida no caso de cliente comprovadamente sem condições financeiras, a dação em pagamento para o adimplemento da obrigação do cliente alusiva aos honorários de seu advogado é livre, se este assim o consentir, desde que lícito o bem que venha a constituir objeto da datio ou cessio.
Interpretação a contrario sensu do art. 38 do CED. Além de lícitos, os bens passíveis de dação não podem implicar em contrariedade aos princípios éticos vigentes, como nos casos de quebra de sigilo profissional, mercantilização da profissão ou vinculação de seu nome com empreendimentos de natureza manifestamente duvidosa (art. 1o, VIII, letra “c”, do Código de Ética e Disciplina). O bitcoin se define com “moeda” virtual protegida por criptografia, que permitiria transações diretas, descentralizadas e alegadamente seguras, com baixos custos. Apresenta, todavia, acentuados riscos, decorrentes do anonimato e da ausência de entidade legal reconhecida pelos estados soberanos. Sua natureza jurídica, se moeda ou simples bem incorpóreo, e também sua legalidade não estão pacificadas.
Ademais, não possuem, ainda, a devida regulação, recomendada por estudiosos do tema. O juízo ético acerca da possibilidade de recebimento de honorários em bitcoins, por dação em pagamento, depende de juízo de legalidade. E não cabe à Turma Deontológica adentrar neste juízo de licitude de tal bem, pois trata-se de questão que, em última análise, caberá ao Poder Judiciário ou autoridades monetárias competentes. Desde que legal, e se não houver desvio de finalidade, não haverá óbices éticos ao recebimento, por dação ou cessio in solutum, de cryptocurrencies, para pagamento de honorários advocatícios, no momento executivo do respectivo contrato, já que não se vislumbra, no caso, acentuado risco de quebra de sigilo profissional ou mercantilização da profissão. É escusado dizer que o advogado deve forrar-se dos riscos de vinculação a empreendimentos duvidosos que o instrumento ainda encerra, em razão da ampla possibilidade da prática de atividades ilícitas e sonegação fiscal decorrentes do anonimato, hipóteses nas quais haverá, evidentemente, falta ética.
Proc. E-4.406/2014 – v.m., em 13/11/2014, do parecer e ementa do Rel. Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI, com declaração de votos divergentes dos Drs. LUIZ ANTONIO GAMBELLI e CLÁUDIO FELIPPE ZALAF, Rev. Dr. SÉRGIO KEHDI FAGUNDES – Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.